Ruy Belo

A multiplicação do Cedro, Ruy Belo

O senhor deus é espectador desse homem

Encheu-lhe o regaço de dias e soprou-lhe

nos olhos o tempo suave das árvores

Deu-lhe e tirou-lhe uma por uma

cada uma das quatro estações

A primavera veio e ele árvore singular

à beira do tempo plantada

vestiu-se de palavras

E foi a folha verde que deus passou

ela terra desolada e ressequida

Quando as palavras o deixaram de cobrir

ficaram-lhe dois dos olhos por onde

o senhor olha finitamente a sua obra

Até que as chuvas lhe molharam os olhos

e deles saíram ruis que foram desaguar

ao grande mar do princípio

*

Antologia Poética Ruy Belo Cidadão de Longe e de Ninguém

Lisboa, Círculo de Leitores, 1999

 

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